“Qual é o seu sonho profissional?”. Giovana Gomes, de 16 anos, segura o microfone, sorri e conta, dividida: “Direito ou energias”.
“Também quero ser a primeira pessoa da minha família a se formar. Eu quero ter um lugar e ganhar reconhecimento”.
Ela é uma das 40 estudantes que participaram nesta quinta-feira (10), em Natal, do Meninas em Ação, promovido, em parceria com o Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), do SENAI do Rio Grande do Norte, para estimular a inclusão e equidade de gênero em cursos profissionalizantes e carreiras tecnológicas, especialmente no campo das energias, uma das atividades em que os homens predominam.
A iniciativa faz parte da Ação Coletiva Interligadas (@interligadas_er, no Instagram), que integra o projeto de cooperação internacional entre o Brasil e a Alemanha e foi lançada este ano como iniciativa conjunta entre a Rede de Mulheres na Energia Solar (MESol) e o Projeto Profissionais do Futuro – desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC) e a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da agência alemã GIZ.
O projeto é realizado de forma piloto no país no CTGAS e tem como uma das metas estabelecidas, até o final de 2023, elevar de 7% para 20% o número de mulheres egressas em cursos de formação profissional técnica nos SENAIs do país e nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs).
Despertar
“O Meninas em Ação trouxe uma metodologia para incentivar e despertar em meninas e adolescentes essa possibilidade de ingresso em carreira tecnológica, hoje com profissionais tão solicitados pelas empresas de energia”, diz a assessora de Mercado e Projetos do SENAI-RN, Amora Vieira, que lidera ações relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na instituição.
“O SENAI, na sua missão de qualificar e formar profissionais, tem atuado nessa ponte, nessa missão de vincular instituições que promovem ações nesse sentido e acaba sendo porta de entrada para demandas da indústria quando querem formar meninas ou selecionar mulheres para o mercado de trabalho”, acrescenta.
Estudantes do ensino médio da Escola Estadual Edgar Barbosa, do Instituto Padre Miguelinho, da Escola Estadual Nestor Lima e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, IFRN, participaram da programação do Meninas em Ação.
A discussão de temas como equidade e presença de homens e mulheres no setor de energia e rodadas de diálogos com mulheres que atuam profissionalmente na área, como inspiração para as que também quiserem seguir esse caminho, foram parte da pauta do grupo.
Inspiração
Diante das meninas, e sentadas com elas, pesquisadoras do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) e outras mulheres, em diferentes ocupações em empresas e instituições como Neoenergia Cosern, CRN-Bio, do segmento de consultoria ambiental, Associação Potiguar de Energias Renováveis (APER), Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne) e Qualital Consultoria e Treinamento responderam a questões como “como foi sua trajetória no setor? quais desafios você viveu e vive? Quais foram as alavancas e o que é preciso fazer para ingressar no mercado e permanecer relevante?”.
Giovana olhou, com os olhos brilhando, as mulheres que respondiam. “A quantidade de mulheres que venceram na vida e conseguiram ocupar lugar na energia” chamou a atenção da menina. Todas as possibilidades de realizações em caminhos como os trilhados pela pesquisadora do ISI, Fabiola Correia, graduada em Química, mestre e doutora em Engenharia de Petróleo também.
Fabíola atua no laboratório de sustentabilidade do Instituto SENAI e, entre os projetos em que atua na linha de frente, está o desenvolvimento de um combustível sustentável de aviação, capaz de reduzir as emissões de gases do efeito estufa no transporte aéreo brasileiro.
A história de Jeane Ribeiro, especialista em Engenharia Elétrica com ênfase em instalações industriais e em engenharia, controle e automação industrial, licenciada em Física e Técnica em Eletricidade, foi outra que ecoou no auditório lotado de meninas.
Jeane é instrutora de cursos do CTGAS-ER nos cursos de elétrica e energia solar. “Entre 32 alunos, quando ela estudou, só ela era mulher”, diz Giovana, repetindo o que ouvia. “E ela foi a primeira professora mulher dos cursos do SENAI nessa área”.
Em uma das rodas de conversa em que sentou com as meninas, a instrutora compartilhou: “O que importa para vocês é meta. O que eu quero fazer no futuro? E vejam, o que fazer para alcançar essa meta? Qualquer área tem desafios. E se aquilo é o que vocês querem, vocês têm que fazer tudo para chegar lá e para as pessoas verem que vocês são capazes”.
Wellen Rodrigues, diretora da Ampere Soluções, do setor de energia solar, Letícia Renovato, eletricista da Vicunha Têxtil, e Ana Carolina do Nascimento Melo, operadora de Mudlogging da Geowellex, do setor de Petróleo, dividiram a sala de aula alguns anos antes em cursos técnicos do CTGAS.
Em 2017, ainda como estudantes, participaram do Mulheres de Energia, workshop também realizado em Natal por GIZ e SENAI, e agora voltaram para contar suas histórias. “É importante saber que a gente também pode. Que a gente pode ser o que a gente quiser e eu quero que várias outras meninas possam também”, disse Ana.
Equidade e inclusão
Na definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, inclusão é o processo que ajuda a superar barreiras que limitam a presença, participação e conquistas dos/as estudantes.
Equidade é garantir que existe uma preocupação com justiça/processos justos, de modo que a educação de todos/as os/as estudantes seja considerada como de igual importância. “As carreiras nas energias renováveis são bastante promissoras. Elas têm uma curva exponencial de crescimento de empregos e oportunidades e a gente precisa de homens e mulheres trabalhando nesse setor”, disse Caroline Dutra, assessora técnica em Energia da GIZ.
Desafios
As estudantes no Meninas em Ação ganharam novas oportunidades de qualificação como incentivo. Uma delas surgiu por meio de dois desafios tecnológicos que foram estimuladas a fazer durante a programação, nas áreas de elétrica e segurança do trabalho.
Na sala de aula para cursos de energia solar, as meninas tiveram 30 minutos para fazerem conexões de fios e darem outros passos para, com os cuidados necessários, fazerem acender uma lâmpada. A tarefa foi repassada por Jeane Ribeiro.
Em um dos laboratórios do CTGAS para treinamentos de trabalho em altura, elas foram estimuladas a inspecionar validade, cintos, fitas, fivelas, costuras de segurança e outras partes de um kit de equipamentos de proteção individual, identificando eventuais não conformidades que podem comprometer a segurança do trabalho.
Quem descobrisse mais ganhava mais pontos. O grupo que vestisse corretamente e mais rápido um cinto paraquedistas, usado no trabalho em altura, também.
A tarefa de vestir rapidamente o cinto foi escolhida pelo engenheiro de segurança do trabalho e instrutor de educação nos cursos de Segurança do Trabalho e Ergonomia do CTGAS-ER, Marcus Dantas, para transmitir uma importante lição na área: “Para a segurança a velocidade não é um ponto importante. O importante é a qualidade. É a segurança que está em jogo”.
Os grupos vencedores dos desafios ganharam ingresso para um tour aprofundado pelo Hub de Inovação e Tecnologia (HIT) do SENAI-RN, complexo que sedia o CTGAS-ER e o ISI-ER, principais referências do SENAI no Brasil, respectivamente, em educação profissional e Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) com foco em energias renováveis e sustentabilidade, incluindo novas tecnologias como o hidrogênio sustentável.
Qualificação
As 40 meninas que participaram da ação ganharam acesso gratuito ao chamado “Combo de Energia Solar”, do CTGAS-ER, com cursos 100% EAD com carga horária entre 20 e 30 horas. O pacote inclui Fundamentos de energia renovável, Introdução à energia solar fotovoltaica, energias renováveis e meio ambiente e segurança aplicada a sistemas fotovoltaicos.
Todas as que quiserem também receberão bolsa de estudo para curso técnico no SENAI. Entre as possibilidades estão técnico em Sistema de energia renovável, em segurança do trabalho, em eletrotécnica, em mecânica, em refrigeração e climatização, em automação industrial e em eletromecânica.
O pacote de incentivos que ganharam inclui ainda um curso de redes sociais. “Será um encontro virtual para compartilhar com as meninas informações sobre como usar Instagram e LinkedIn com finalidade profissional”, explica a diretora da consultoria MaisArgumento e consultora sênior da GIZ, Fabiana Dias, uma das responsáveis pelo Meninas em Ação.
A ideia, segundo ela, é que as estudantes aprendam a fazer curadoria de conteúdo e produção para construir uma espécie de portfólio digital. O curso será ministrado por Bárbara Miranda, podcaster (@outrasmamaspodcast) que se define como “Ecofeminista vegana, Designer e bailarina. A ação tem o apoio de Camila Maciel, engenheira eletricista que está à frente do perfil @elasdebotina, onde conta histórias das mulheres de botina que constroem o Brasil.
Dentro da programação da iniciativa, as meninas também visitaram nesta quinta a indústria potiguar SterBom, uma das empresas do Rio Grande do Norte que têm investido na geração de energia a partir de módulos fotovoltaicos. A ideia foi mostrar as instalações da indústria e a aplicação da energia solar na prática.
Giovana Gomes, citada no início do texto, é a filha mais velha em uma família de cinco irmãs e um irmão. Ela disse que a imersão no setor de energia, por meio do Interligadas, mostrou novas possibilidades no horizonte.
“Minha mãe trabalha com vendas e o meu pai é mecânico autônomo. Eu não tinha conhecimento nessa área das energias renováveis. Vi que há poucas mulheres e agora também penso em ser uma delas”.
Veja, na galeria a seguir, outras imagens do Meninas em Ação: