Diariamente, nos deparamos com indústrias repletas de ideias inovadoras e empenhadas em expandir seus negócios. Contudo, muitas delas encontram o mesmo entrave: o crédito, que no Brasil é escasso e caro. Sem financiamento ou com ele ofertado a um alto custo, muitos projetos de investimentos ficam inviáveis. O investimento é um dos principais motores do crescimento econômico sustentado. Dessa forma, não perdem apenas as indústrias, mas toda a economia brasileira. Por consequência, perdem todos os brasileiros, com menos emprego e renda.
De acordo com ranking divulgado pela Moneyou em janeiro deste ano, o Brasil é o país com a segunda maior taxa de juros real do mundo. Além disso, o spread bancário brasileiro é muito alto. Em 2022, foi o terceiro maior do mundo, segundo dados do Banco Mundial, atrás somente de Madagascar e Zimbábue. Ainda, o Brasil é apenas o 34º em termos do total de crédito disponível ao setor privado em proporção do PIB, na comparação entre 43 países analisados pelo Bank for International Settlements (BIS).
Manter esse panorama de crédito escasso e com taxas de juros elevadas é frustrar planos e negar oportunidades. Como os custos financeiros se acumulam ao longo das cadeias produtivas, esse panorama retira a competitividade da nossa economia. Portanto, precisamos, urgentemente, de medidas que ajudem a reverter esse quadro, sobretudo neste momento em que financiamento é vital para viabilizar a agenda de neoindustrialização.
O PL 6235/2023, recentemente enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, mostra-se como importante oportunidade nesse sentido, ao criar a Letra de Crédito de Desenvolvimento (LCD). Esse título de crédito permite que os bancos de desenvolvimento, com destaque para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os bancos estaduais de desenvolvimento e os bancos regionais de desenvolvimento (como o Banco do Nordeste – BNB e o Banco da Amazônia – BASA), por exemplo, captem recursos no mercado.
Nos moldes da Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), que financiam o setor imobiliário e o agronegócio, respectivamente, os recursos captados com a emissão de LCD impulsionarão investimentos em setores como indústria e infraestrutura, visando fomentar a inovação e a transição energética, além de suprir as micro, pequenas e médias empresas. A captação via LCD contribuirá para o BNDES, os bancos estaduais de desenvolvimento e os bancos regionais de desenvolvimento ampliarem o seu funding a um custo menor. Com isso, esses bancos terão condições de aumentar a oferta de crédito e reduzir a taxa de juros cobrada das empresas.
Para se ter uma ideia, hoje a Taxa de Longo Prazo (TLP), que referencia as captações do BNDES junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), está em 10,2% a.a. As LCIs e LCAs pós-fixadas pagam retornos, a depender do prazo de carência, que variam entre 90% e 100% da taxa de Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Tomando como exemplo uma LCA/LCI com resgate de um ano, que paga 95% do CDI, teríamos uma taxa de 9,4% ao ano. Ou seja, fazendo esse paralelo, nota-se que há potencial para o BNDES obter recursos a um custo inferior do que ocorre hoje via FAT, por exemplo.
LCD tem aderência no mercado
Outro ponto positivo da LCD é sua boa atratividade perante os investidores, demonstrando ser um instrumento viável e com aderência no mercado. Primeiro, porque a LCD é um papel de baixo risco, uma vez que é atrelado a bancos públicos, em especial ao BNDES, aos bancos estaduais de desenvolvimento e aos bancos regionais de desenvolvimento, que carregam consigo muitos anos de solidez e credibilidade. Prova disso é o lucro líquido de R$ 41,7 bilhões que o BNDES teve em 2022, que representa crescimento de 22,5% em relação a 2021.
Segundo, a LCD conta com incentivo fiscal, via redução do Imposto de Renda (IR) sobre ganho de capital, em linha com o que ocorre hoje nos casos de LCA e LCI. Para pessoas físicas, está prevista isenção de IR, enquanto para pessoas jurídicas está prevista alíquota fixa de 15%.
Previsões conservadoras apontam que o BNDES deve conseguir captar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões com LCD, em um primeiro momento, valor cinco vezes maior que o volume em captações internas e externas feitas pelo banco em 2022. Considerando que as emissões de LCD também poderão ser feitas pelos bancos estaduais de desenvolvimento e bancos regionais de desenvolvimento, o volume a ser captado com o novo instrumento financeiro se multiplicará para além dos R$ 10 bilhões estimados como referência inicial para o BNDES, alcançando cifras ainda maiores.
O próprio cenário atual do mercado de letras de crédito no Brasil reforça essa tendência de que a LCD capte muito mais recursos. Em 2023, segundo dados da B3, a LCI foi o produto de renda fixa que registrou maior crescimento de captação bancária, somando R$ 360,5 bilhões de estoque – alta de 50% em comparação com 2022. No mesmo período, o estoque de LCA cresceu 36%, alcançando R$ 458,9 bilhões. Ou seja, juntas, as LCAs e LCIs somaram R$ 819,5 bilhões em estoque de captação.
Destaca-se ainda, que não está descarta a realização de operações estruturadas junto a bancos comerciais, inclusive privados, o que fomentaria o mercado secundário da LCD, expandindo ainda mais sua capilaridade e alcance e, consequentemente, potencializando sua capacidade de captação de recursos.
Num contexto em que se busca recolocar a indústria no centro da estratégia de desenvolvimento nacional, em face dos desafios de descarbonizar a economia e promover a transformação digital nas empresas, faz todo sentido que se crie um instrumento de crédito com esta finalidade, além de ampliar a disponibilidade dos recursos financeiros e a um menor custo ao tomador.
Estratégia semelhante tem sido adotada pelas economias desenvolvidas, com instrumentos e objetivos semelhantes. Nesses países, há muito se deu conta da que a importância da indústria para a sociedade vai muito além do produto ofertado. Por ser diversificada e com amplo poder de encadeamento produtivo, a indústria mobiliza diversas atividades ao longo de sua produção. Além disso, é o setor que mais investe em inovação e pessoal qualificado, pilares relevantes para uma economia cada vez mais tecnológica.
Portanto, priorizar a indústria significa criar externalidades positivas para todos. As oportunidades que se abrem não podem ser desperdiçadas, sob risco de perdermos mais terreno diante das economias desenvolvidas nas agendas de transição energética e de aumento da produtividade pela transformação digital. Tal como nas experiências recentes de política industrial, é importante que as empresas brasileiras disponham de linhas de crédito para alavancar seus investimentos. Portanto, a criação da LCD é uma estratégia importante para fomentar o crescimento do Brasil em bases mais sustentáveis e digitais, conforme estabelece o projeto de neoindustrialização em curso no país.
*Ricardo Alban é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).