Por José Pastore
Professor da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
O ministro Paulo Guedes e sua equipe manifestaram a disposição de cortar os recursos arrecadados pelas entidades do Sistema S. As justificativas são vagas. Fala-se até na possibilidade de as empresas contribuírem espontaneamente para as escolas profissionais. É uma proposta sonhadora. Nenhum empresário se dispõe a contribuir voluntariamente para formar um técnico que pode ser contratado por seu concorrente que nada contribuiu. Em nenhum país do mundo isso ocorre. Conhecimentos técnicos, capacitação prática e domínio de equipamentos são bens públicos que exigem recursos garantidos.
O ensino profissional é muito mais complexo e caro do que o ensino convencional: demanda profissionais experientes e equipamentos atualizados. A interface entre instrutores e empresários nesse campo tem sido crucial para definir exatamente o que as empresas precisam.
No ano passado, visitei algumas escolas dedicadas à Revolução 4.0. Ali, vi a importância da parceria entre empresários, instrutores e alunos para bem dominar as novas tecnologias. O ensino profissional exige a combinação dos capitais físico (equipamentos atualizados), humano (mestres devotados) e social (valores adequados).
No recrutamento das pessoas, as empresas buscam conhecimentos das profissões e vivência dos valores que formam o capital social do seu quadro de pessoal. Entram, aqui, o zelo, a disciplina e o comprometimento. Zelo. O mundo do trabalho espera que os profissionais tenham zelo em tudo o quer fazem: no trabalho a ser realizado e com o equipamento; com o meio ambiente e com os colegas. Disciplina. A disciplina entra em tudo: respeito aos horários e à hierarquia das organizações; entendimento e obediência às prioridades. Comprometimento. Esse é expresso no gostar do que se faz; em ter amor pelo bem-feito e para fazer cada vez melhor.
Além disso, as empresas estão de olho no jovem que tem vontade de aprender e de estudar o tempo todo; que tem obsessão pela leitura e que possui dentro de si o vírus da curiosidade. Como se forma o capital social? Valores e condutas só se transmitem pelo exemplo. Nesse campo, o que vale é a pedagogia do exemplo e não a pedagogia das explanações.
Por que algumas escolas conseguem transmitir capital social e outras não? Só transmite quem tem o que transmitir; quem cultiva a ética do trabalho, e faz isso dando exemplos na conservação das escolas e áreas de lazer; na limpeza e na ordem; na pontualidade; e no respeito e amor ao próximo. Isso pesa na empregabilidade e na renda do futuro candidato e sucesso da empresa.
Na minha longa carreira de pesquisador, visitei dezenas de escolas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Nunca vi um aluno terminar o dia sem antes arrumar a bancada; sem deixar tudo em ordem. Nunca vi um aluno ofendendo professores ou funcionários. Nunca vi uma parede pichada ou um banheiro sem manutenção. Nunca vi um gramado abandonado. Nunca vi desprezo pelo trabalho. Nunca vi promoção sem mérito.
Como se explica tudo isso? Afinal, as escolas do Senai e do Senac estão na mesma comunidade e atendem a mesma população. Penso que a transmissão desses valores faz parte da cultura das empresas que dirigem essas escolas. Não conheço nenhuma empresa bem-sucedida que seja suja, desorganizada, relapsa e tocada por profissionais desleixados, dominados pelas ofensas e sem ética no trabalho.
Convém conhecer in loco essas escolas antes de propor um corte indiscriminado dos seus recursos ou sonhar com a contribuição voluntária de empresas que concorrem entre si. É bom lembrar que a boa formação profissional é crucial não apenas para o educando e para as empresas. É estratégica para a necessária e urgente elevação da produtividade do trabalho no Brasil.
Publicado no jornal Correio Braziliense (04.01.2019)