O Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) deu início a discussões com a Universidade de Tokyo sobre possibilidades de cooperação voltadas à energia eólica offshore.
A atividade, no Japão, existe há mais de 10 anos e trabalhos conduzidos pela Universidade têm contribuído para alavancar o setor.
No Brasil, a indústria está em fase inicial, mas a área de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) tem acelerado, assim como projeções de investimentos.
De acordo com informações do Ibama, pelo menos 97 projetos de complexos eólicos offshore para a costa brasileira estão cadastrados no órgão em busca de licenciamento, com um total de 15.500 aerogeradores e potência somada de 234,26 Gigawatts (GW).
Os números incluem a primeira planta-piloto do país para estudos voltados à energia eólica offshore, apresentada pelo SENAI-RN, sob coordenação do ISI-ER.
“A Universidade de Tokyo é a maior universidade japonesa e o nosso laboratório tem trabalhado com energias de onda, de vento, de correnteza…”, disse o professor e pesquisador Rodolfo Gonçalves, do OSPL – Ocean Space Planning Laboratory, da Universidade, em palestra para equipes técnicas e de pesquisa que atuam em projetos de energia eólica no ISI-ER.
A apresentação, realizada no Hub de Inovação e Tecnologia (HIT) do SENAI-RN, em Natal – complexo que sedia o Instituto – sugeriu um olhar sobre como a academia e centros de pesquisa aplicada, como o ISI, podem colaborar com o desenvolvimento industrial.
Desafios
Em Tokyo, o OSPL se debruça sobre desafios em áreas como mecânica de fluidos, mecânica estrutural e interações fluido-estrutura relacionadas a estruturas offshore e navios. Ensaios, certificações, dimensionamento e monitoramento de plataformas fazem parte da atuação nesse campo.
“A universidade tem as tecnologias, a pesquisa, e é preciso saber como aplicar isso ao caso real. A indústria precisa absorver mais essa experiência”, observou Gonçalves. “Essa conversa próxima é importante, assim como termos membros da indústria trabalhando um pouco nos laboratórios, para conhecer os procedimentos, e levando os alunos para fazerem estágios na indústria, em uma troca de experiências que é muito proveitosa”, acrescentou.
O Japão é mencionado pelo Conselho Global de Energia Eólica (GWEC, na sigla em inglês) entre os países com metas nacionais ambiciosas para a energia eólica offshore.
O setor despontou entre as soluções para a transição energética japonesa e começou a ser desenvolvido a partir de 2011, após um tsunami afetar a Central Nuclear de Fukushima, no que ficou conhecido como um dos piores desastres nucleares do mundo.
“O governo japonês decidiu fechar todas as usinas nucleares a partir disso. Você imagina em um país como o Japão, com aproximadamente 120 milhões de habitantes, o que tem de energia…e que no outro dia já não tinha mais?”, disse o pesquisador da Universidade de Tokyo, durante a apresentação.
A importação de energia e a reativação de usinas termelétricas foram as alternativas inicialmente encontradas para suprir a demanda do país no período, segundo Gonçalves. “E qual foi a solução para isso? o governo, depois de muito discutir, concluiu que seriam as energias renováveis. E, devido ao clima, às condições ambientais e à disponibilidade de terras, que as eólicas flutuantes seriam a melhor alternativa”, complementou ele.
No Global Wind Report 2024, que traz um raio-x internacional do setor eólico e projeções para a atividade, o GWEC observa que “o crescente foco do governo japonês em energia eólica flutuante traz oportunidades para a expansão do mercado”.
O mesmo relatório mostra que, em 2023, o Japão alcançou o segundo maior patamar de instalação de energia eólica do país, da última década, e consolidou sua posição como um dos principais atores no cenário eólico da Ásia-Pacífico – liderado pela China.
A capacidade total instalada foi estimada em 5,21 GW, no período, em território japonês. Entretanto, cerca de 96% ainda são provenientes de parques eólicos em terra. Os parques offshore (no mar) totalizaram 187 Megawatts (MW) em capacidade instalada acumulada e a previsão é que nos próximos cinco anos adicionem mais 1,7 GW à matriz.
“A indústria enfrenta entraves no Japão. E qual é o principal? é a parte da cadeia de suprimentos. O país está conseguindo construir plataformas (offshore), mas se quiser fazer as wind farms, as fazendas, precisa de muitas unidades. Então vem um problema industrial: como construir muitas unidades?”, observa Gonçalves.
“Então não é só a parte do projeto, da unidade em si. Agora são métodos construtivos, operação, e isso é uma coisa que o Brasil pode ter vantagem em relação ao Japão, porque o Brasil tem óleo e gás, então tem toda uma infraestrutura já montada e que pode aproveitar. O Japão não tem”.
Rodrigo Mello, diretor do SENAI-RN e do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), ressalta a importância de os países trocarem experiências e realizarem intercâmbios com foco em tecnologias que estão sendo desenvolvidas e usadas nos seus diversos níveis de maturidade.
“O Brasil possui uma indústria do offshore relevante para o mundo, derivada do óleo e gás, e tem um potencial invejável, do ponto de vista de volume a ser explorado para geração de energia eólica nessa fronteira. Do ponto de vista tecnológico, é muito importante a gente trocar essas experiências”, disse ele. “Para o Brasil é importante, e o Japão também está querendo enxergar quais são os caminhos e o porquê dos caminhos tecnológicos discutidos no Brasil. Esse intercâmbio prevê ganhos de parte a parte”, observa o diretor.
Ter o conhecimento mais aprimorado possível das diversas rotas tecnológicas no mundo, para manter a evolução da rota que está sendo discutida para a realidade brasileira, na visão dele, é fundamental, especialmente em um contexto em que a indústria ainda está nascendo no Brasil.
Uma das possibilidades de interação com o Japão é vislumbrada na experiência do país com o desenvolvimento de plantas-piloto. A primeira do Brasil, focada em estudos e testes relacionados à energia eólica offshore, é liderada pelo SENAI-RN, por meio do ISI-ER.
“O Japão tem um trabalho importante em tecnologia e já instalou diferentes plantas-piloto, em diversas situações possíveis, então nós precisamos enxergar essa experiência. Quais foram as respostas positivas? e as negativas? o que influenciou nesse impacto positivo ou negativo? em quais situações foram instaladas essas plantas-piloto? isso é fundamental, para a gente não repetir os mesmos erros e também ter ganhos além dos pontos positivos medidos lá”, pontua Mello.
Infraestrutura
O professor apresentou uma série de projetos da Universidade, com foco no Japão e também em águas brasileiras, além de detalhes da infraestrutura do laboratório, incluindo tanques para ensaios de correnteza e ondas, com possibilidade de simulações de vento, e o único tanque no Japão capaz de simular condições de tsunami e furacão.
“A gente acredita muito nas possibilidades de colaboração para aprendermos com o que eles já desenvolveram lá, com toda a infraestrutura e capital humano que eles têm disponíveis na Universidade, podendo alavancar e acelerar o processo de aprendizagem e transferência de tecnologia para a área de estruturas navais e flutuantes”, disse o coordenador de Pesquisa & Desenvolvimento do ISI-ER, Antonio Medeiros.
“E por que essa experiência japonesa seria importante para o Brasil, que está com a indústria nascendo? Porque a Universidade de Tokyo já tem diversos protótipos instalados, comissionados e descomissionados. É um aprendizado de mais de 10 anos que está na frente do Brasil”, frisa o coordenador.
O diretor do SENAI-RN, Rodrigo Mello, destaca que a aproximação com a Universidade de Tokyo está alinhada ao Plano de Internacionalização do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis, estabelecido oficialmente em 2022 com o objetivo de impulsionar o intercâmbio de pesquisadores, criar e expandir mercados para a instituição fora do Brasil. A evolução registrada na área abre perspectivas de ganhos, porém, para além do Instituto.
“Eu conto com o estreitamento do relacionamento entre o SENAI e a Universidade de Tokyo, com a convicção de que podemos desenvolver muitas soluções juntos na área de energia eólica, notadamente o offshore, e de que isso abre uma porta para caminhos a serem desenvolvidos também com a nossa Faculdade (a FAETI – Faculdade de Energias Renováveis e Tecnologias Industriais do SENAI-RN)”, observa o diretor.
“Dentro do programa de internacionalização, vemos o relacionamento com o Japão e a discussão sobre as possibilidades de cooperação entre a Universidade e o SENAI como naturais. Estamos enxergando o fluxo de conhecimento, de oportunidades de capacitação de pessoas e de desenvolvimento de projetos conjuntos e a visita do professor ao nosso centro, para conhecer nossas instalações e conversar diretamente com nosso time, é um passo importante nessa direção”, acrescenta Mello.
SAIBA MAIS: Hidrogênio
Mas não é só a energia eólica offshore que norteia as discussões com o Japão. Em setembro de 2023, o diretor participou da primeira missão do SENAI Nacional ao país com foco na indústria do hidrogênio verde.
O objetivo principal foi discutir o arcabouço da cooperação entre a instituição, no Brasil, e o departamento de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) industrial do país asiático para o fortalecimento da cadeia de fornecimento de hidrogênio; além do uso de hidrogênio na geração de energia; e a P&D para redução de custos de geração, armazenamento e transporte de hidrogênio no Brasil e no Japão.
Já entre os meses de junho e julho deste ano, o pesquisador dos laboratórios de Energia Solar e Sustentabilidade do ISI, Bruno do Nascimento e Silva, integrou uma missão promovida pela agência de cooperação internacional japonesa JICA em conjunto com o Instituto de Economia Energética do Japão (IEEJ), em uma programação com treinamento na área de Política Energética.
O treinamento teve duração de 30 dias e reuniu representantes de 13 países em desenvolvimento, incluindo, do Brasil, o ISI-ER e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Com aulas em Tokyo e visitas nas cidades de Hekinan, Ota, Yamanashi, Sapporo, Ishikari, Kyogoku e Tomakomai, a experiência, segundo o pesquisador, “permitiu uma compreensão mais aprofundada das ações adotadas pelo Japão para atingir os objetivos de Net-Zero até 2050” – ou seja, para zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa nesse horizonte de tempo.
Na Ásia, discussões do Instituto sobre esses e outros temas também têm avançado com a China.
Texto e fotos: Renata Moura